quarta-feira, 7 de julho de 2010

Ferreira Gullar

Esse poema pulou no meu colo hoje pela manhã... Como deixar um poema maravilhoso desses sem um chamego? Tive que lê-lo e relê-lo... Acariciá-lo e me envolver com ele.


Eu empresto para quem quiser "traduzir-se"!

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.


Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.


Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira


Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.


Uma parte de mim
é permanente:
outra parte de mim
se sabe de repente.


Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.


Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
     de vida ou morte —
     será arte?

in Na vertigem do dia
GULLAR, Ferreira. Toda Poesia (1950-1999). — 12ª ed. — Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.

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